Caríssimos!
Dando continuidade ao último texto sobre os marcos históricos da neuropsicologia, encerro o tema em grande estilo! Construí uma linha do tempo com as personalidades mais influentes que ajudaram no desenvolvimento desta ciência. Assim vocês poderão ter em mente como esse processo foi acontecendo, e podem até pesquisar mais a fundo cada um deles.
Ao final do texto, sugiro algumas leituras que particularmente considero importante para compreensão do assunto.
Bem, então no primeiro texto falei dos Egípcios, de Hipócrates, Aristóteles, Galeno, Descartes, Franz Gall e Flourens. Na sequência histórica surge uma figura extremamente importante que serve de estudo até os dias de hoje para compreender o funcionamento do cérebro: trata-se de Phineas Gage. Em 1848, Gage sofreu um grave acidente numa construção ferroviária na Inglaterra. Ele tinha apenas 25 anos e era capataz da ferrovia, função de muita responsabilidade. Já falei deste caso aqui, mas queria apenas mencionar a principal contribuição deste acidente para a neuropsicologia. Gage lesionou uma importante região do cérebro, o córtex pré-frontal que ajuda a regular nossos comportamentos e emoções, e embora tenha sobrevivido ficou com sequelas cognitivas e comportamentais. Este acidente foi considerado uma grande tragédia porque os recursos médicos naquela época ainda não eram tão desenvolvidos como hoje. Por isso, apenas séculos mais tarde descobriu-se a importância do córtex pré-frontal, visto que pacientes com lesões nessa mesma região apresentavam grandes alterações de personalidade, ou seja, no seu “jeito de ser”. O córtex pré-frontal é responsável pelo nosso senso de julgamento crítico, raciocínio, tomada de decisão etc. e por isso é tão importante compreender seu funcionamento.
Na sequência história, Paul Broca, um neurocirurgião observou o cérebro post mortem de um paciente que só conseguia pronunciar a palavra “tan”. Ele encontrou uma enorme lesão no lado anterior esquerdo do cérebro e relacionou essa área a dificuldade na produção da fala. Hoje, essa região é conhecida como Área de Broca, sendo um importante avanço no estudo clínico de pacientes neurológicos e no entendimento da relação região-função.
Quase um século mais tarde Karl Lashley afirmou que o córtex cerebral teria igual participação de todo pensamento. Essa ideia ficou conhecida como Lei da ação das massas, que diferia das ideias localizacionistas, pois atribuía regiões cerebrais a funções específicas.
Nessa mesma época, Alexander Luria que é considerado por muitos o pai da Neuropsicologia direcionou seus esforços para o entendimento de uma relação mais estreita entre cérebro e comportamento. Seus principais objetivos eram identificar lesões cerebrais que levavam a dificuldades comportamentais com o objetivo de diagnosticar precocemente o local onde ocorriam as lesões e oferecer reabilitação adequada. Para que isso fosse possível, ele tratou cerca de 800 soldados com lesão cerebral no período pós-guerra. Seus estudos contribuíram muito para o pouco que se conhecia sobre a natureza dos processos cognitivos.
Nessa mesma época, Brenda Milner, uma psicóloga que lidava com pacientes neurológicos iniciou atendimento ao paciente H.M. (Henry Molaison) que hoje é considerado o principal caso clínico da história das neurociências. H.M. tinha um quadro de epilepsia grave cujo foco das crises iniciava em parte dos lobos temporais mediais (hipocampo, região responsável por guardar informações). Este paciente foi submetido a remoção cirúrgica bilateral do hipocampo e adquiriu um quadro de amnésia retrógrada, mas principalmente anterógrada. Se você quiser saber mais sobre isso, já escrevi sobre este assunto aqui.
Três anos mais tarde, dois grandes pesquisadores Sperry & Gazzaniga dando continuidade aos seus estudos sobre de secção do corpo caloso (o maior feixe de fibras do cérebro que une os dois hemisférios), descobriram que de certa forma a separação dos hemisférios “divide a mente”. Como assim, a mente é divisível? Seria possível? Vou explicar o experimento que eles produziram: colocaram diante de um paciente com secção do corpo caloso uma tela com um ponto central e duas figuras de objetos diferentes em cada lado do ponto. Essas figuras eram acionadas ao mesmo tempo diante dele. Com a secção do corpo caloso apenas o hemisfério direito era capaz de perceber a imagem da direita, uma vez que o hemisfério esquerdo que controla a fala não era capaz de articular verbalmente a imagem da esquerda, como se estivesse “mudo” (sabemos que cada hemisfério só percebe estímulos do lado oposto do campo visual). A conclusão que os pesquisadores tiveram foi a de que o cérebro produz dois “meio-cérebros”, cada um com suas percepções, pensamentos e consciência independentes. Este estudo conferiu o prêmio Nobel a dupla de cientistas.
Finalmente, nos anos 90 o advento da tecnologia moderna permitiu aos cientistas observar o cérebro em funcionamento. O eletroencefalograma (EEG), a magnetoencefalograma (MEG), a ressonância magnética funcional (fRM), etc.), deixaram esclarecido que o cérebro não é um órgão uniforme, mas que regiões cerebrais específicas estão ativas durante diferentes funções mentais.
Como vocês podem ver, muito se avançou nos último século e isto só foi possível porque outros estudiosos já estavam preocupados com o entendimento deste órgão tão complexo. Retorno a dizer que existem inúmeras contribuições para a ciência do cérebro, tantas que levaríamos anos para conhecer todas. Trarei sempre as mais relevantes e dividirei este conhecimento com as pessoas interessadas no assunto.
Espero que tenham gostado. Nos vemos no próximo post! Até lá!
Leituras indicadas:
Livros:
Mente, cérebro e cognição – João de Fernandes Teixeira
O mistério da consciência – John Searle
A mente desconhecida – John Horgan
Texto:
“Onde estou eu?” – Daniel Dennett